sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

RÉGIO E O ANIVERSÁRIO DO CLUBE

No início do mês que vem – a escrevedeira-mor no-lo lembrou - o Clube fará um ano. Um ano dos grandes, dos de trezentos e sessenta e seis dias. Isto, claro está, se entretanto os sábios da John Hopkins não levarem a sua avante e nos privarem de bissextos e de comuns. É costume, numa agremiação que se preze, fazer-se um balanço do trabalho realizado passados que são os primeiros cem dias de vida. Não que a nossa agremiação não se preze, que se preza, mas, cem dias passados e ainda não haveria obra que se visse, de modo que o balanço ficaria para um número mais redondo: um ano.
Um naco da última tertúlia gastámo-lo a alinhavar o programa das festas, no resto falamos de José Régio. O clube, posso afiançá-lo, é formado por gente que estima os livros, pessoas de boas leituras, mas, e isso terei de reconhecer, não especialmente criativas: a comemoração far-se-á em Vila do Conde à volta dos crucifixos do Régio e da mesa do Bento.
Tudo isto me trouxe à memória uma história mirabolante contada por Bruce Chatwin no inolvidável “Na Patagónia”. Bruce Chatwin, que nasceu em 1940, passou a infância no temor constante dos efeitos da «densa acumulação de nuvens azuis a cuspir labareda» da bomba de cobalto de Estaline. Grande parte das energias consumiu-as a engendrar um plano que o livrasse da aniquilação. A guerra, concluiu, seria no hemisfério Norte. Perscrutando os ventos dominantes e o trajeto provável das nuvens radioativas e estudando atentamente os Atlas, concluiu que a Patagónia seria o lugar mais seguro da Terra. Foi então que, inopinadamente, Estaline morreu. Chatwin cantou hinos e hossanas mas, avisado, continuou a guardar a Patagónia como reserva. Fez bem! Muitos anos mais tarde, haveria de calcorrear a região em busca de um animal mitológico e contá-lo no mais belo livro de viagens que conheço.
Vou seguir o seu conselho: guardarei a Patagónia como reserva. Nunca se sabe quem será o convidado quando, daqui a um ano, o clube se debruçar sobre o programa de aniversário, convencido que estou que, fizéssemos anos um mês antes e, em vez dos crucifixos do Régio, estaríamos agora, com certeza, a franquear a entrada da gruta do milodonte ou a apreciar o azul soberbo do Perito Moreno.


carlos ponte

4 comentários:

  1. Belíssima prosa. Parabéns! Ler muito, dá nisto.

    Isabel

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  2. Muito apreciei.
    Também gastei os olhos na foto do Cristo, à entrada. Muito bela.
    LC

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  3. Textos como este revelam a riqueza dos membros do nosso Clube de Leitura e muito dignificam este blogue. Os meus parabéns!
    Rui

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  4. Sorte a minha ter amigos destes no Clube. Mesmo não merecendo tamanhos encómios, agradeço-vos do fundo do coração.
    Abraços.

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