terça-feira, 19 de junho de 2012

A CABRA DO SR. SEGUIN E O RETIRO DE LUDO

Como quereis que tenha saudades do vosso Paris barulhento e sombrio? Estou tão bem no meu moinho!
Alphonse Daudet, Cartas do Meu Moinho


Ludovica Fernandes, que haveria de delapidar o grosso de uma farta biblioteca, colmatando com os livros a eletricidade e o gás que lhe iam chegando aos repelões, nunca terá conseguido separar-se das cartas de Daudet.  Quando a promessa de um novo dia, mal tinha ainda abandonado as águas cálidas do Índico, imagino-a a subir as escadas de caracol agarrada ao seu tesouro. No terraço, enquanto deixava que a vista se espraiasse pelo mundo hostil que a cercava, abria o livro na história de Blanquette, a bela cabrinha de sedosa pelagem branca que amava a liberdade, e então, começava a ler. Apesar de ter uma bela vida na quinta do senhor Seguin, no verdejante vale do Ródano, Blanquette olhava o horizonte e sentia o apelo das montanhas distantes. Uma manhã, apesar dos esforços em contrário do dono, Blanquette fugiu. Durante todo o dia andou alegre, correndo pela montanha, guiada pelo instinto, inebriada pelos mil cheiros e sabores das plantas que nunca tinha visto. Ao cair da noite a cabrinha pressente o perigo. Podia ainda regressar à segurança da quinta mas lembrando-se que voltaria a ser amarrada ao poste, atira para longe esse pensamento, vira-se e enfrenta corajosamente o lobo. Lutará com ele toda a noite mas ao alvorecer o lobo lançar-se-á, finalmente, sobre ela e comê-la-á. Imagino Ludovica a ler uma e outra vez a aventura épica de Blanquette, admirando-lhe a coragem. Muitos anos depois, quando a vista lhe começou a pregar partidas e nem a mais potente lupa lhe conseguia desenredar o emaranhado nebuloso das letras, Ludovica haveria de ensinar o pequeno Sabalu a ler. Imagino-os sentados no terraço do prédio dos invejados, debaixo do céu de chumbo de Luanda. O órfão contava à velha senhora a história da sua vida: sabe avó, a minha mãe me morreu quando eu era criança. […] Converso com ela, mas me faltam as mãos com que me protegia. A velha senhora, condoída, abraçava, então, o petiz. E assim, aninhado na segurança do colo da anciã, começava a ler: Hás-de ser sempre o mesmo meu pobre Gringoire!...
Teoria Geral do Esquecimento, o último livro de José Eduardo Agualusa fala-nos de um tempo de ódios e vinganças. Fala-nos dos anos de chumbo dos alvores da nação Angolana. Fala-nos de um tempo em que, para preservar a revolução socialista se permitiriam, utilizando um eufemismo grato aos agentes da polícia política, certos excessos. É para fugir a este clima que a aterroriza que Ludovica Fernandes ergueu uma parede que a separou do mundo. Assim emparedada viverá por mais de vinte anos até que Sabalu, com meia dúzia de violentas pancadas de picareta, abriu um buraco na parede. E a velha senhora que recebia as notícias do mundo coadas pelo discernimento estreito do jovem órfão que um dia lhe entrou em casa com o intuito de roubar, pôde então perceber que o tempo era outro. Os angolanos já não se matavam uns aos outros como cães raivosos. Estavam a chegar generais e ministros, pessoas com dinheiro para comprar prédios elegantes e passados imaculados.
Hoje, felizmente, a guerra já não atormenta a nação angolana. Como alguém dizia, a maldade também precisa descansar. Pena que nem todos consigam fazer o exercício do Pequeno Soba. Ele que fugiu da cadeia num caixão e teve direito a um funeral improvisado, ganhou o hábito de se visitar no dia da sua suposta morte, levando flores para si mesmo. Diante da sua campa reflete sobre a fragilidade da vida e pensa em si mesmo como num parente próximo. Pesa as qualidades e os defeitos e no merecimento das suas lágrimas. E então, quase sempre, Pequeno Soba chora um pouco. Que lágrimas brotariam outros se tivessem também a capacidade de se visitarem na campa?

terça-feira, 12 de junho de 2012

À conversa com... José Eduardo Agualusa

Dia 22 de Junho, às 21.30 horas, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, vamos   conversar com... José Eduardo Agualusa, a propósito do seu  último livro intitulado "Teoria Geral do Esquecimento".



O Autor


José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, em Angola, a 13 de Dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa. Nos últimos 10 anos tem vivido entre Angola, Portugal e o Brasil. Iniciou a sua carreira literária em 1988, com a publicação de um romance histórico, A Conjura.

É autor de uma vasta obra que inclui romances, novelas, contos, crónicas, teatro, livros infantis, um livro de reportagens e um relato de viagens. As suas obras estão publicadas em mais de vinte países. Ao seu romance O Vendedor de Passados foi atribuído o Prémio Independent – Ficção Estrangeira.

Teoria Geral do Esquecimento é o seu mais recente romance.


Teoria Geral do Esquecimento

Sinopse



Luanda, 1975, véspera da Independência. Uma mulher portuguesa, aterrorizada com a evolução dos acontecimentos, ergue uma parede separando o seu apartamento do restante edifício - do resto do mundo. Durante quase trinta anos sobreviverá a custo, como uma náufraga numa ilha deserta, vendo, em redor, Luanda crescer, exultar, sofrer. Teoria Geral do Esquecimento é um romance sobre o medo do outro, o absurdo do racismo e da xenofobia, sobre o amor e a redenção.



sexta-feira, 1 de junho de 2012

À conversa com... Raquel Ochoa

Dia 8 de Junho, às 21.30 horas, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, vamos estar À conversa com... Raquel Ochoa, a propósito do seu livro "A Infanta Rebelde".


 A Autora


Raquel Ochoa nasceu em 1980, em Lisboa. Na sequência de uma viagem de vários meses pela América Central e do Sul, editou O Vento dos Outros, em 2008. No mesmo ano publicou Bana – uma Vida a Cantar Cabo Verde, a biografia de um mais populares músicos africanos.

Em 2009 venceu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís, com o romance A Casa- Comboio, a saga de uma família indo-portuguesa ao longo de quatro gerações. A Infanta Rebelde é a sua primeira obra publicada pela Oficina do Livro.


Sinopse



Neta de D. Miguel I e última filha de D. Miguel II, Maria Adelaide de Bragança, Infanta de Portugal, nasceu em Janeiro de 1912.
Desde muito cedo, foi testemunha de um mundo em transformação. Assistiu à queda de impérios, viveu por dentro duas guerras mundiais e participou activamente na resistência contra os nazis. Por duas vezes esteve presa e em ambas foi condenada à morte. A intervenção directa de Salazar numa delas e um desenlace surpreendente noutra permitiram que continuasse a sua luta.
Ao chegar a Portugal, já casada, com o seu estilo sincero, directo e inconformado, continuou a defender as ideias em que acreditava, no auxílio aos mais desfavorecidos, desagradando a uma sociedade que considerava a sua actuação pouco adequada a uma pessoa da sua condição.
A Infanta Rebelde mostra-nos a vida de uma figura absolutamente ímpar na História Contemporânea de Portugal, mas, acima de tudo, o retrato de uma mulher que teve a coragem de ultrapassar todos os obstáculos e lutar pelo ideal que dava sentido à sua vida tornar a sociedade, tal como a sua natureza, mais justa e benévola.