domingo, 3 de abril de 2011

Talvez se tenham cruzado por lá...



LONGE DO MEU CORAÇÃO de Júlio Magalhães.
O livro conta a história de Joaquim desde a vida dura e miserável numa aldeia perdida de Portugal dos anos sessenta até à imposição pelo Presidente da República da condecoração por altos serviços prestados à pátria, quarenta anos depois. Pelo meio há verdadeiras histórias de heroísmo, desencanto e perseverança. A primeira história de heroísmo vive-a durante o “salto”, um episódio tão traumatizante que só muitas décadas depois consegue falar sobre ele: “Acho que durante o mês que durou a viagem perdi a inocência com que saí de casa e me tornei homem.” Chegado, finalmente, a França, à terra das oportunidades e da abundância, foi um rude golpe desferido nos seus sonhos, aquilo com que se deparou e, “com os pés enterrados na lama […] não conseguiu disfarçar a desilusão. […] Depois de um mês de viagem, o corpo marcado pela fome e pelo cansaço, chegava finalmente ao seu destino. À sua frente tinha Champigny-Sur-Marne”, a terra dos sonhos e das oportunidades. […] Mas o que via […] era um cenário de total desolação.” O bidonville, a capital de Portugal em França, afinal era isto. Recomposto do murro da desilusão lançou-se ao trabalho: havia um sonho para cumprir. Custasse o que custasse chegaria lá.
Ao ler o romance vieram-me à memória dois nomes.
O primeiro, Jean Loup Passek, cineasta, fundador do festival de cinema de La Rochelle e programador do Centro George Pompidou que realizou um dia, já lá vão cerca de quarenta anos, um documentário sobre a presença dos emigrantes portugueses em França. Na altura travou conhecimento com um casal de trabalhadores portugueses que por lá labutavam. Daí a ter sido por eles convidado para passar férias em Portugal foi um passo. Passek aceitou o convite e eis que rumam a Portugal à terra dos emigrantes – Melgaço. O cineasta ficou encantado. Comprou casa por cá e não mais se desligou da Vila. Em agradecimento pela forma como foi recebido pelos portugueses doou à pequena vila de Melgaço um dos maiores espólios de artefactos cinematográficos que alguém conseguiu reunir, espólio esse que era disputado por grande parte dos países da Europa.



O segundo é Gerald Bloncourt , haitiano de nascimento, que um dia foi expulso do seu país por razões políticas e que em França tão bem retratou aqueles que, ainda que por razões diversas, foram também expulsos do seu país: os emigrantes portugueses.



A história não o diz mas imagino o Joaquim, na Rua Dunkerque, a cruzar-se vezes sem conta com Passek e aquela parafernália de fios, luzes, câmaras, carris e sombrinhas com que as tribos dos cineastas se fazem acompanhar para todo o lado, ou então a ser captado pela câmara de Bloncourt, lá ao longe, com o sfumato da neblina a diluir-lhe os contornos para que passe incógnito pela lama do bidonville.

carlos ponte

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários publicados são de exclusiva e integral responsabilidade e autoria dos leitores que dele fizerem uso. Os autores do blogue reservam-se, desde já, o direito de moderar os comentários e não publicar os que julgar ofensivos, caluniosos, preconceituosos ou de alguma forma prejudiciais a terceiros.